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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A questão da Falta de Segurança

Autor: Claudio Lessa.
Âncora, repórter e editor. Trabalhou na Rede Globo, Radiobrás, Voz da América, Rede Manchete, Rádio JB e CBS Brasil. Foi correspondente na Casa Branca durante vários anos. Vive e trabalha em Brasília atualmente.

Em Brasilia, dono de padaria foi assaltado sete vezes nos últimos três anos. Em todas as ocasiões, os ladrões levavam o dinheiro e iam embora, sem ferir ninguém. Na sétima vez, no entanto, os dois rapazes não perdoaram: esfaquearam o padeiro, que morreu a caminho do hospital. Em países onde um mínimo de seriedade é levado em conta, a família da vítima tem o direito de processar o Estado por um motivo simples: é patente que a falta de segurança – um dever do Estado, que a proveria por meio do pagamento dos escorchantes impostos – foi o fator determinante para a morte daquela pessoa.

No Brasil, não. A “justiça” chegou ao entendimento de que é impossível aceitar processos dessa natureza porque, segundo os luminares de toga, o país iria entrar em colapso financeiro se todas as pessoas vitimadas da mesma maneira buscassem uma solução como essa – responsabilizando o Estado pela falta de segurança.

O curioso é que a “justiça” – integrada em sua esmagadora maioria de postos-chave por pessoas indicadas e nomeadas politicamente, e não por meio de concurso público, onde não há rabo preso – não age com o mesmo rigor e fulminância no outro extremo do pêndulo.

Em outras palavras: não pune com cadeia, perda de direitos políticos, confisco de bens etc todos aqueles que corrompem e se deixam corromper no âmbito dos três poderes, causando o desvio de uma dinheirama que seria, de outra forma, empregada correta e adequadamente na proteção dos habitantes de um país contra criminosos comuns (sem falar no emprego correto das verbas da saúde, educação, manutenção e construção de novas estradas etc).

Agora, a mesma justificativa esfarrapada e repleta de malas surge quando a “justiça” impede que milhares de pessoas roubadas pelos bancos há quase vinte anos recebam seu dinheiro. Segundo os luminares de toga, o pagamento das compensações por parte dos bancos poderia provocar a quebra do sistema bancário do país, tal o volume de dinheiro a ser restituído. Além de ser uma mentira deslavada, fica evidente o conluio entre o sistema bancário, o governo e seu “judiciário”: nunca os banqueiros ganharam tanto dinheiro (e num governo dito de “esquerda”), nunca os correntistas foram tão lesados dentro e fora dos tribunais quando questionaram as indecentes taxas cobradas pelos bancos. Não é preciso ser Sherlock para saber que aí tem coisa, e que essa coisa não é boa.

Essa mesma “justiça” é a que pune seus coleguinhas com aposentadoria integral quando alguém é pego com a boca na botija e fica impossível de encobrir o sol com a peneira, como foi o caso daquele desembargador pilantra que vendia sentenças da maneira mais tosca possível.

Enquanto isso, o achincalhe continua: agora, no horário eleitoral, um idiota útil para o sistema pergunta, sem rodeios: “você sabe o que faz um deputado federal?” E ele mesmo responde, segurando a gargalhada: “Para dizer a verdade, eu não sei. Mas vote em mim que depois eu te conto.”

Resumo da ópera bufa: ainda vai piorar, e muito, antes de melhorar. O chato disso tudo é que voltaremos, lamentável e desnecessariamente, aos tempos do faroeste – onde a eliminação física será a lei da terra, com cada um fazendo valer a palavra dada e os contratos assinados por meio do cano de um revólver – antes que a macunaímia entenda que é preciso fazer um esforçozinho e subir o nível. Mas aí continuará sendo tarde demais. Os demais países estarão lá na frente, e o fazendão… será o fazendão.

Publicado originalmente no Portal Direto da Redação.

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