Autor: Carlos Paiva
Inspetor aposentado da GCM/SP
Foi Instrutor de Ética, Normas de conduta
Profissional; Técnicas Operacionais e Noções de Gerenciamento de Crise.
Há alguns dias
escrevi um texto sobre os ataques criminosos contra policiais e acredito que
ficou faltando algo; apresentei um problema, mas não apresentei soluções, que
felizmente existem e na minha vida profissional jamais levei um problema a um
superior sem ao menos uma resposta possível de ser aplicada; por isso decidi
escrever sobre as possíveis soluções para o caso PCC, no entanto, ao começar a
trabalhar o texto, percebi que faltaria outro texto que ligasse os dois, o que
resultou no presente artigo, que não chega a ser uma segunda parte, é mais uma
digressão que mostra uma face do que está acontecendo e que não está presente
nos dois textos, mas serve de elo entre eles. Explicado isto, começo o
desenvolvimento do assunto expressado no título.
Lembro uma vez
de ler em um artigo sobre a Certeza e a Segurança Jurídica; em resumo, um
cidadão brasileiro diante uma fato que o atingiu e que vai ser resolvido pela
Justiça, tem a certeza que a Lei não vai mudar justamente para o caso dele,
como também tem a segurança que a decisão da Justiça não será alterada para
prejudicar aquilo que foi julgado a não ser, o que também é garantido por lei,
que beneficie a pessoa. Creio que os juristas fiquem horrorizados com esta
minha explicação simples sobre duas coisas sagradas no Direito, mas realmente
eu preciso apenas desta muito simples explicação para fazer uma analogia com o
que está acontecendo na cidade de
São Paulo.
Em qualquer país
civilizado, o cidadão comum vive sob a certeza que o Estado está vinte e quatro
horas e sete dias da semana trabalhando para garantir a segurança da população
e no caso de um crime, trabalhando para a responsabilização do culpado que
assim declarado em um processo legal, que permita ampla defesa e um tribunal
imparcial, recebe a justa pena, seja uma multa seja a restrição de liberdade ou
as duas medidas, cuidando para que fique afastado da sociedade, à qual ofendeu,
pelo tempo que a lei determinar.
Esta certeza
gera uma segurança no cidadão comum: a de que a sua vida e a de seus
familiares, bem como seus bens estão sob uma segurança tal, que não é
necessário que o cidadão comum tenha que se armar ou organizar grupos para se
defenderem de ataques; a segurança também lhe garante que sua vida será
rotineiramente protegida, isto é, o seu acesso à saúde, transporte, trabalho, estudo
e lazer não sofrerá mudanças drásticas de hora em hora ou de dia em dia e isto
permite que possa planejar sua vida sem maiores preocupações; seu filho estará
seguro na escola assim também a esposa esteja ela em casa, no trabalho ou
simplesmente no mercado.
Este estado de
paz e tranqüilidade é o que chamo de Certeza e Segurança da Incolumidade
Pública. É a confiança que o Estado está cuidando de você e é capaz de manter
isto indefinidamente.
Sem dúvida,
tanto a Certeza quanto a Segurança da Incolumidade permite que uma sociedade
viva e se desenvolva em relativa paz. Na pacífica Oslo, Noruega, houve um
ataque praticado por um homem que matou cerca de 92 pessoas em um massacre de
motivação política; ora, as pessoas naquele país não viviam e não vivem como se
tal ataque fosse acontecer a cada período determinado, foi algo de
extraordinário, destas coisas que são um pesadelo para um governo e para a
polícia local. Hoje em dia deve
haver lembranças
e traumas, mas acredito que depois de tudo, os cidadãos continuem vivendo na
confiança de estar em uma sociedade segura, que conta com um sistema policial
confiável e com um poder judiciário capaz de tomar decisões a favor da
sociedade.
A Segurança e a
Ordem Pública é um dever do Estado, como preconiza a Constituição Federal
(CF/88), bem como é uma responsabilidade de todos. Contudo, dentro de um
Estado, tem funções exercidas por pessoas concursadas que são exclusivamente
relacionadas com a área da Segurança Pública, definidas em áreas de atuação. O
médico e o gari, no exercício de suas funções públicas, não tem como objetivo o
combate ao crime, ao contrário, o médico tem o dever de atender um criminoso
baleado em um
confronto com a
polícia e o gari tem que manter limpa a rua onde mora um traficante ou outro
tipo de criminoso; mas caso eles venham a saber do criminoso, devem informar as
autoridades policiais ou seus agentes, podem até prender em flagrante delito,
mas não é um dever deles, são pagos, respectivamente, para examinar as pessoas
e manter as ruas de São Paulo limpas.
Para o combate
ao crime o Brasil conta com um intricado sistema de serviço policial e um
sistema judiciário que trabalha com um processo antigo.
Pois bem, é este
serviço policial junto com o poder judiciário, os responsáveis por manter a
“... ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio”, conforme a
CF/88 em seu artigo 144. Apesar de eu mencionar o Poder Judiciário como co-responsável
pela Segurança Pública, ele é tratado em outra parte da CF/88, distinta da
Segurança Pública. A Justiça no Brasil trata dos assuntos comerciais, civis e
criminais, entre outros, e é por este laço, de julgar criminosos, que a associo
com a Segurança Pública. O Poder Judiciário geralmente é criticado pelo fato do
preso sair facilmente da prisão ou então de nem chegar a ela, mas isto é uma
visão errada, o Judiciário segue a lei e a lei não é elaborada por esse Poder,
é elaborada pelo Legislativo, formado por
pessoas eleitas
pelo povo, para criar leis entre outros deveres; desta maneira, o Judiciário
toma decisões com base nas leis existentes; o que acontece neste poder é a
possível existência de corrupção, sentenças mais brandas e a criação de
jurisprudência, aí sim, um tipo de lei que pode facilitar a vida de um criminoso.
Antes mesmo dos
assassinatos dos policiais, a cidade de São Paulo já demonstrava fraqueza na
sensação de segurança, tanto que um motorista, conforme a região que está na
cidade e isto não exclui a região central, no período próximo entre meia noite
e próximo às quatro horas da manhã, prefere tomar uma multa por infringir um
sinal vermelho a ficar com o carro parado esperando o sinal verde; nem é
necessário esperar meia noite, basta estar escuro para que haja o medo, mas não
é só isto; tem áreas na cidade que o cidadão evita passar seja qual for a hora
do dia; outro exemplo é a crença
comum e de certa
forma real, que adolescentes infratores, um eufemismo legal para criminosos,
contam com um sistema que simplesmente não deixa que eles fiquem muito tempo
internados, outro eufemismo legal que é usado para prisão. Tem um caso
registrado no Youtube onde um delegado expressa sua revolta pela apreensão de
menores infratores que foram liberados em um curto intervalo de tempo, este
vídeo gerou até uma resposta da juíza responsável explicando a dificuldade de
se apreender um menor infrator (os links para estes vídeos estão no final do
texto, mas não temos garantia de que não sejam retirados da internet) um grupo
de adolescentes e mesmo de crianças, hoje em dia, deixa uma pessoa comum
desconfortável, dependendo do local, hora e circunstância; adolescentes e
crianças não deveriam, em uma sociedade sadia,
provocar medo
seja qual fosse o local, a hora e a circunstância.
Desgraçadamente,
o assassinato de policiais foi acompanhado por um incremento na violência
paulistana com a ocorrência de várias chacinas, alguns ônibus queimados e
decretos de toque de recolher em algumas zonas da cidade e embora o PCC seja
dado como elo comum entre estas ocorrências, não existem provas concretas de sua
responsabilidade. Por enquanto, a população não está sendo diretamente atacada,
mas está diretamente atingido quanto à certeza e à segurança que o Estado possa
realmente protegê-la e isto é tão pernicioso quanto um ataque direto.
Diante tal
situação, o povo paulistano vê estremecer a Certeza e a Segurança de sua
incolumidade. A sociedade encontra dúvidas palpáveis que o Estado possa
controlar a criminalidade e oferecer Segurança de estar protegido em qualquer
atividade que procure estar; o que está ocorrendo é que se o cidadão está
estudando, é obrigado a sair mais cedo das aulas devido a um “toque de
recolher”; se está perto de um policial, estando este à paisana ou
uniformizado, sente que pode ser vítima de uma bala perdida ou entrar nas
estatísticas como uma baixa colateral, se está na rua com amigos em uma noite
quente, teme ser vítima de uma chacina, por isto, antes mesmo de acabar com o
PCC, o Governo deve restaurar a confiança do cidadão, pois o fim do PCC é
apenas um dos fatores que estão desestabilizando a eficácia e a eficiência do
Governo no trato da Segurança e Ordem Pública.
Caso esta
situação se prolongue, haverá um período de rendimento gordo para os donos de
empresa de segurança, mas a parte da população que não pode arcar com um
sistema de segurança privada, em um primeiro momento, evitará sair nas ruas em
determinados horários e para determinados locais, mas é impossível que este
recolhimento forçado perdure, as pessoas tem que viver, o que poderá levar a um
processo armamentista, legal e ilegal, bem como formação de milícias de bairro,
caso a situação venha a piorar.
Quando o governo
falha em uma prestação de um serviço, a população ou a parte dela que tem
recursos, trata de substituir o serviço público pelo privado.
Tem sido assim
com a Saúde e com a Educação e, infelizmente, será assim com a Segurança se as
coisas continuarem como estão.
Minha intenção
não é ser alarmista e nem querer espalhar o medo; a polícia de São Paulo é
considerada uma das melhores do mundo e é capaz de realizar a parte que lhe
cabe, mas não sozinha, não em uma missão solitária.
No momento é
importante que o cidadão recupere a confiança de poder estar em qualquer lugar
e sentir-se seguro em estar ali, bem como acreditar que sua família, onde quer
que esteja, também se encontre sob as asas protetoras do Estado.
Nesta situação,
o PCC é apenas um item, perigoso é claro, que vem aumentar a incerteza e a
insegurança do cidadão quanto à capacidade do Estado em cumprir com o seu dever
de manter a segurança e ordem pública
Vídeo1: Delegado
revoltado:
Vídeo2: Juíza
responde à declaração de delegado: