Euclides Conradim ingressou na Guarda Civil Metropolitana de São Paulo em 1987, atualmente ocupa o cargo de Inspetor Regional, se destaca por seu empenho na conscientização da problemática do uso de álcool e outras drogas, participando da coordenação de projetos e das ações socioeducativas e comunitárias da Corporação, Coordenador do Grupo de Educação e Prevenção às Drogas – GEPAD, Projeto Luz e da Ação Comunitária Criança Sob Nossa Guarda, é Multiplicador Nacional de Polícia Comunitária no Programa Crack “é possível vencer”, é Multiplicador de Mediação de Conflitos, é Instrutor No Centro de Formação em Segurança de São Paulo, Especialista em Intervenção Multidisciplinar em Dependência Química, e Conselheiro Municipal de Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas, motivos que o permite abordar o tema e implantar projetos de prevenção às drogas nas periferias da cidade, principalmente nas escolas públicas municipais, seu trabalho se destaca na GCM-SP, tendo profunda respeitabilidade por parte do efetivo. O IR Conradim, como é conhecido, aceitou gentilmente o convite de “Os Municipais” e concedeu entrevista a Wagner Pereira, no dia 08 de julho de 2015, que foi dividida em 4 partes devido a complexidade do tema e a magnitude de seus conhecimentos.
6 – A Lei nº 13.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas, flexibilizou o uso de drogas ilícitas,
relacionando o uso pessoal a quantidade, eximindo a obrigatoriedade
de indicação de sua procedência, o que parece um contra-senso, ao
trazer penas pesadas ao tráfico, não falta equilíbrio nessa
relação? O que precisa ser alterado na legislação?
Resposta-
No artigo 28, §
2º, a lei 11.343/2006 diferencia o indivíduo que porta droga para
consumo do traficante com as seguintes diferenças: “ Para
determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá
à natureza e à
quantidade
da substância apreendida, ao
local
e às
condições
em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais,
bem como à
conduta
e aos
antecedentes do agente”.
Observo que a
análise dos operadores do direito será não somente na quantidade,
mas num conjunto de circunstâncias e fatores, como: o local; os
antecedentes do indivíduo; as circunstâncias sociais e pessoais nas
quais ele se encontrava no momento da abordagem; e à conduta do
indivíduo na situação, fatores que levará à autoridade policial
realizar um pré-julgamento do indivíduo com relação ao porte e ou
tráfico, atestando que ele é usuário ou traficante.
Agora com
relação a obrigatoriedade de indicação de sua procedência, está
é uma lacuna ausente na legislação, seria importantíssimo que
fosse prevista na legislação, que todo usuário e traficante
citasse a localização do fornecedor como parte de atenuação da
penalidade prevista. Esta providência prevista na lei contribuiria e
muito em ações efetivas ao combate ao tráfico ilícito de drogas,
e contribuiria na diminuição do tráfico.
7 – Nos
últimos anos temos observado um conflito de competências entre
Estado e Município, principalmente na Cidade de São Paulo,
especificamente na Região Central conhecida como “Cracolândia”,
em que o Ex-Prefeito Gilberto Kassab e atual Prefeito Fernando Haddad
avaliam que as ações sociais esbarram no combate ao tráfico que
seria de competência exclusiva das Policias Civil e Militar, por
outro lado, o Governador Geraldo Alckmin sinaliza que faltam
políticas públicas locais, pois, quando há intervenção policial
se constata que em a maioria dos envolvidos são usuários e não
traficantes, ambos são unânimes em afirmar que falta controle
fronteiriço, que facilita a entrada de drogas no país, transferindo
responsabilidade ao Governo Federal, o que ocorre na avaliação do
Senhor? Precisamos de leis mais rígidas ou de ações sociais?
Respostas-
Precisamos de uma ação mais global e mais fortalecida no quesito de
ação intersetorial, ou seja, mais união de esforços, combinando
todas as forças num objetivo comum, pois observamos que os órgãos
estão trabalhando, mas necessita de mais aproximação entre todos,
visando encurtar as distâncias, necessita de mais conjunto, reuniões
constantes de discussões de trabalho, e para tanto julgo ser
necessário que os três eixos do Programa Crack “é possível
vencer” sejam efetivados com mais vontade, determinação,
investimento e efetividade por todos os atores envolvidos nestas
políticas. Os eixos são:
- Eixo Autoridade: direcionado aos órgãos de segurança pública que trata da repressão aos traficantes de drogas;
- Eixo Prevenção: que trata da prevenção através da educação e demais atores para realizar ações preventivas, principalmente ao público infanto-juvenil;
- Eixo Cuidado: que trata das ações sociais e ações de saúde para tratar e reinserir na sociedade os dependentes químicos, e estes eixos o preconizam o cumprimento da Lei Federal 11.343/2006.
Todas as ações
são importantes, tratar os dependentes químicos, em especial, estes
que além de doentes encontram-se em situação de rua, o que gera
outros agravantes para a sociedade e para os próprios dependentes.
Necessária a
construção de uma política de estado que seja permanente,
intersetorial e com forte investimento do poder público, e que além
de todas estas ações interdisciplinares, que os dependentes além
destas ações, tenham continuidade em seus tratamentos, o importante
é o depois, ou seja, quando o dependente tem alta de internação,
ou encerra o seu período das comunidades terapêuticas, ou recebe
toda a assistência de uma equipe multiprofissional, necessitará de
uma continuidade de assistência e direcionamento para retorno à sua
família, e ou encaminhamento ao mercado de trabalho, mas sabemos das
dificuldades de aceitação deste público, devido à própria
condição de exclusão social, da própria doença dependência
química, e do preconceito e discriminação social, criando
obstáculos maiores, mas que não impossíveis de serem vencidos, mas
é necessário a força popular aliada com todos os setores da
sociedade, das igrejas, das ONG’s, das Comunidades Terapêuticas,
demais Associações de Moradores, CONSEG’s, Empresas, e demais
órgãos de segurança.
Acredito que
enquanto existirem os consumidores de drogas, existirá o tráfico de
drogas, então vejo como enfoque principal a prevenção,
necessitamos “fechar a torneira”, estamos atuando muito e
gastando muito nos efeitos, e quanto estamos gastando nas ações de
prevenção, nas questões que envolvem as famílias, as escolas, as
comunidades, as crianças e adolescentes, estes jovens carentes em
situação próxima da marginalidade ou em condições de
vulnerabilidade social, necessitamos de políticas públicas, em
especial nas áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos, mais
opções de lazer aos jovens, mais educação, mais oportunidades de
emprego, mais moradias, melhores condições de vida e sobrevivência,
enfim, mais investimentos para fortalecer as ações preventivas da
sociedade, divulgação e utilização da mídia neste processo, e
fortalecimento das redes de proteção às crianças e adolescentes.
8 – O
Observatório Crack é Possível Vencer, vinculado a Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça –
SENAD-MJ, disponibiliza uma rede de atendimento e capacitação,
através da redução de danos, que permite certa tolerância ao uso
de drogas, buscando alternativas para ressocialização do
dependente, contrapondo a criminalização do indivíduo, no entanto,
o consumo de drogas tem aumentado, colocando o país com segundo maior consumidor de cocaína do mundo, chegando ao ponto de receber o
apelido nas ruas de “Crack é Possível Vender”, direcionando o
problema ao tráfico e não ao dependente, o que está errado?
Resposta-
Toda ação voltada na questão de contenção da dependência
química é útil, a redução de danos é um método que surgiu com
o advento da Aids, e com uma série de medidas visava evitar a
proliferação do vírus e de outras doenças com ações de redução
de danos, e este método foi direcionado na questão da dependência
química, que tem sua utilidade, mas acredito que os vários modelos
de tratamento e estratégias médicas, entre outras iniciativas são
importantes, o ser humano é complexo, se determinado tratamento não
produziu o efeito desejado, o dependente continua com seus agravos e
recaídas, e se determinada forma de se tratar não surte um
resultado favorável após longo processo de recuperação, é
interessante e viável que este paciente adote outra metodologia de
tratamento, creio que não podemos ser juízes e pensar em
superioridade de procedimentos e métodos, muitas vezes observo que
quem atua nesta área de dependência química, na sua grande
totalidade julga-se com o saber supremo, dono da razão, que seu
método e pensamento é o melhor, que os demais não são tão bons e
podem ser desprezados, cria-se um conflito de ideias e propostas, e
no meu entender não levam a nenhum resultado, pois quem perde é o
doente, é o dependente químico, acredito que temos que unir os
esforços de todas as organizações idôneas, independente de qual
seja o método, oferecer mais opções de tratamento e reinserção
social aos dependentes, e não fazer concorrência de quem é o
melhor na metodologia adotada. Há casos que a redução de danos
contribui, há casos que existe a necessidade de internação, mesmo
que compulsória, devido ao agravo da saúde do paciente e sobre sua
impossibilidade de discernir sobre sua real condição de vida,
devido aos transtornos e desordens psiquiátricas, pois há casos de
mortes por overdose, e por falta de tratamento adequado, então
importante a variedade de ações como oportunidades de restabelecer
a saúde dos pacientes, logicamente, as organizações, comunidades,
entes que trabalham no tratamento devem passar por um crivo de
requisitos mínimos de profissionais e recursos para promoverem a
saúde dos dependentes químicos.
9 – As
drogas lícitas como álcool e tabaco tem glamorização na mídia,
incentivando o seu consumo abertamente, isso tem se tornado uma
realidade nas redes sociais, embora sua venda seja proibida aos
menores de 18 (dezoito) anos, os estabelecimentos comerciais não
respeitam a legislação vigente, inclusive na exigência na
apresentação de documento para aquisição desses produtos, nos
eventos públicos, jogos de futebol, shows, podemos constatar
crianças e adolescentes fazendo seu consumo livremente, o que deve
ser feito para evitar essas situações? Como os Guardas Municipais
devem agir nessa situação? As drogas licitas são o caminho de
entrada para o consumo de drogas ilícitas?
Resposta-
Acredito que seja necessária uma fiscalização maior por parte dos
organismos responsáveis; criar mecanismos de solicitar a
participação da sociedade, para que denunciem e participem destas
ações; que seja criado um telefone com três dígitos para
atendimento de denúncias específicas dos órgãos que desrespeitam
a legislação vigente, e que seja um canal aberto de comunicação
sociedade e poder público; e que através do poder público seja
criada uma comissão permanente dos vários setores do poder público
(Saúde, Serviço Social, Conselho Tutelar, Conselho de Drogas,
Polícias, Guardas Municipais, ONG’s espcíficas, especialistas no
tratamento a dependentes, entre outros) e que seja de âmbito
municipal, estadual e federal com objetivo de promover políticas
públicas de erradicação de venda de álcool para menores de 18
anos, fiscalização da veiculação pelas redes sociais, enfim,
adotando ações necessárias para proteção das crianças e
adolescentes.
- As Guardas
Municipais podem contribuir fazendo parte destas comissões de
promoção de políticas públicas de erradicação de venda de
álcool para menores de 18 anos. Podem ainda, realizar fiscalização
em conjunto com os setores de fiscalização da Prefeitura nos
estabelecimentos comerciais que comercializam bebidas alcoólicas
para adotarem e fiscalizarem o cumprimento da legislação
pertinente, muitos destes locais não possuem alvará de
funcionamento, tem problemas com relação aos requisitos de higiene,
que podem ser constatados pela vigilância sanitária; através das
rondas escolares da GCM podem fiscalizar e anotar os dados de todos
os estabelecimentos comerciais que comercialização bebidas
alcoólicas a menos de 100 metros das escolas para solicitar
providências de fiscalização pela Prefeitura, Subprefeitura,
através de seus agentes de fiscalização, para verificar não
somente a questão do comércio de bebidas alcoólicas, presença de
jogos de azar, máquinas caça níqueis, entre outras
irregularidades.
E com o advento
da Lei
Federal nº 13.022 de 08 de agosto de 2014, Estatuto Geral das
Guardas Municipais, cumprir
o artigo
5º
que diz o seguinte:
IX -
interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de
problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de
segurança das comunidades;
XI - articular-se com os órgãos
municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações
interdisciplinares de segurança no Município;
XII -
integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia
administrativa, visando a contribuir para a normatização e a
fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;
XVI -
desenvolver ações de prevenção primária à violência,
isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria
municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e
federal;
E um dos
principais incisos do artigo 5º do Estatuto Geral das Guardas
Municipais que diz o seguinte:
XVIII - atuar
mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo
entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e
docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a
implantação da cultura de paz na comunidade local.
Através deste
inciso todas as Guardas Municipais podem criar grupos similares ao
GEPAD – Grupo de Educação e Prevenção às Drogas da GCM-SP para
realizar ações socioeducativas preventivas juntos às escolas,
promover cursos de capacitação aos professores, através de
oficinas desenvolver o senso crítico dos jovens com relação ao
uso, abuso e dependência química, realizar reuniões de discussão
com os pais e familiares para auxiliá-los a fortalecer a relação
pais e filhos, discutindo temas relacionados aos fatores de risco e
proteção do uso de drogas que tem enfoque na estrutura familiar, e
o GEPAD da GCM-SP poderia capacitar grupos de integrantes de outras
Guardas Municipais para serem multiplicadores e atuarem como GEPAD
para desenvolverem estas ações. Em muitos cursos de capacitação
do Módulo de Polícia Comunitária do Programa Crack “é possível
vencer” recebi muitas indagações de por que não existe uma marca
das Guardas Municipais, uma ação padrão de atuação, sonho e
acredito que um dia poderíamos adotar a doutrina do GEPAD – GCM-SP
que aplica o Projeto Luz na escolas, com a filosofia que engloba
razão e afeto, ou seja, estabelece-se uma relação de vínculo, de
confiança com a educação e com a comunidade e nasce um projeto
comunitário, e cria-se uma rede de proteção que se organiza em
prol da defesa de crianças e adolescentes com a participação dos
educadores, das famílias, dos alunos e dos guardas municipais, fica
aí uma ideia para pensarmos para o futuro.
10 – Muitos
especialistas defendem que a orientação é a principal medida
preventiva para evitar o consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, no
entanto não temos esse debate ou abordagem ao longo da formação
escolar (pública ou privada), não é o momento de se provocar uma
agenda para reavaliação da matriz curricular , com inserção desse
tema e de outros como educação no trânsito, cidadania, como agir
em situações de emergência, direitos humanos? Quais
as principais políticas públicas de conscientização ao uso de
tabaco, álcool e drogas existentes no Brasil?
É necessário
uma vontade política que insira no conteúdo programático de
formação dos jovens de forma continuada, ou seja, todos os anos
deve ser debatido este assunto.
E os futuros
professores devem ter em seu currículo de formação este conteúdo
bem trabalho, o que percebo que os professores não são preparados
para abordar este tema, tem muitas dificuldades, não se
especializam, e evitam abordar este tema em sala de aula, muitas
vezes por medo de alunos que são envolvidos com o consumo de drogas,
e outras vezes, por desconhecem ou não saberem como abordar este
tema junto aos adolescentes, então se omitem e as escolas acabam por
optar em convidar instituições e ou pessoas especialistas no tema
para abordar o assunto, mas isto não é suficiente.
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