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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Da Redação - Entrevista: Inspetor Regional Euclides Conradim, Coordenador do Grupo de Educação e Prevenção às Drogas – GEPAD (Parte II)


Euclides Conradim ingressou na Guarda Civil Metropolitana de São Paulo em 1987, atualmente ocupa o cargo de Inspetor Regional, se destaca por seu empenho na conscientização da problemática do uso de álcool e outras drogas, participando da coordenação de projetos e das ações socioeducativas e comunitárias da Corporação, Coordenador do Grupo de Educação e Prevenção às Drogas – GEPAD, Projeto Luz e da Ação Comunitária Criança Sob Nossa Guarda, é Multiplicador Nacional de Polícia Comunitária no Programa Crack “é possível vencer”, é Multiplicador de Mediação de Conflitos, é Instrutor No Centro de Formação em Segurança de São Paulo, Especialista em Intervenção Multidisciplinar em Dependência Química, e Conselheiro Municipal de Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas, motivos que o permite abordar o tema e implantar projetos de prevenção às drogas nas periferias da cidade, principalmente nas escolas públicas municipais, seu trabalho se destaca na GCM-SP, tendo profunda respeitabilidade por parte do efetivo. O IR Conradim, como é conhecido, aceitou gentilmente o convite de “Os Municipais” e concedeu entrevista a Wagner Pereira, no dia 08 de julho de 2015, que foi dividida em 4 partes devido a complexidade do tema e a magnitude de seus conhecimentos. 



6 – A Lei nº 13.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, flexibilizou o uso de drogas ilícitas, relacionando o uso pessoal a quantidade, eximindo a obrigatoriedade de indicação de sua procedência, o que parece um contra-senso, ao trazer penas pesadas ao tráfico, não falta equilíbrio nessa relação? O que precisa ser alterado na legislação?

Resposta- No artigo 28, § 2º, a lei 11.343/2006 diferencia o indivíduo que porta droga para consumo do traficante com as seguintes diferenças:  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Observo que a análise dos operadores do direito será não somente na quantidade, mas num conjunto de circunstâncias e fatores, como: o local; os antecedentes do indivíduo; as circunstâncias sociais e pessoais nas quais ele se encontrava no momento da abordagem; e à conduta do indivíduo na situação, fatores que levará à autoridade policial realizar um pré-julgamento do indivíduo com relação ao porte e ou tráfico, atestando que ele é usuário ou traficante.
Agora com relação a obrigatoriedade de indicação de sua procedência, está é uma lacuna ausente na legislação, seria importantíssimo que fosse prevista na legislação, que todo usuário e traficante citasse a localização do fornecedor como parte de atenuação da penalidade prevista. Esta providência prevista na lei contribuiria e muito em ações efetivas ao combate ao tráfico ilícito de drogas, e contribuiria na diminuição do tráfico.

7 – Nos últimos anos temos observado um conflito de competências entre Estado e Município, principalmente na Cidade de São Paulo, especificamente na Região Central conhecida como “Cracolândia”, em que o Ex-Prefeito Gilberto Kassab e atual Prefeito Fernando Haddad avaliam que as ações sociais esbarram no combate ao tráfico que seria de competência exclusiva das Policias Civil e Militar, por outro lado, o Governador Geraldo Alckmin sinaliza que faltam políticas públicas locais, pois, quando há intervenção policial se constata que em a maioria dos envolvidos são usuários e não traficantes, ambos são unânimes em afirmar que falta controle fronteiriço, que facilita a entrada de drogas no país, transferindo responsabilidade ao Governo Federal, o que ocorre na avaliação do Senhor? Precisamos de leis mais rígidas ou de ações sociais?

Respostas- Precisamos de uma ação mais global e mais fortalecida no quesito de ação intersetorial, ou seja, mais união de esforços, combinando todas as forças num objetivo comum, pois observamos que os órgãos estão trabalhando, mas necessita de mais aproximação entre todos, visando encurtar as distâncias, necessita de mais conjunto, reuniões constantes de discussões de trabalho, e para tanto julgo ser necessário que os três eixos do Programa Crack “é possível vencer” sejam efetivados com mais vontade, determinação, investimento e efetividade por todos os atores envolvidos nestas políticas. Os eixos são:
  1. Eixo Autoridade: direcionado aos órgãos de segurança pública que trata da repressão aos traficantes de drogas;
  2. Eixo Prevenção: que trata da prevenção através da educação e demais atores para realizar ações preventivas, principalmente ao público infanto-juvenil;
  3. Eixo Cuidado: que trata das ações sociais e ações de saúde para tratar e reinserir na sociedade os dependentes químicos, e estes eixos o preconizam o cumprimento da Lei Federal 11.343/2006.
Todas as ações são importantes, tratar os dependentes químicos, em especial, estes que além de doentes encontram-se em situação de rua, o que gera outros agravantes para a sociedade e para os próprios dependentes.

Necessária a construção de uma política de estado que seja permanente, intersetorial e com forte investimento do poder público, e que além de todas estas ações interdisciplinares, que os dependentes além destas ações, tenham continuidade em seus tratamentos, o importante é o depois, ou seja, quando o dependente tem alta de internação, ou encerra o seu período das comunidades terapêuticas, ou recebe toda a assistência de uma equipe multiprofissional, necessitará de uma continuidade de assistência e direcionamento para retorno à sua família, e ou encaminhamento ao mercado de trabalho, mas sabemos das dificuldades de aceitação deste público, devido à própria condição de exclusão social, da própria doença dependência química, e do preconceito e discriminação social, criando obstáculos maiores, mas que não impossíveis de serem vencidos, mas é necessário a força popular aliada com todos os setores da sociedade, das igrejas, das ONG’s, das Comunidades Terapêuticas, demais Associações de Moradores, CONSEG’s, Empresas, e demais órgãos de segurança.

Acredito que enquanto existirem os consumidores de drogas, existirá o tráfico de drogas, então vejo como enfoque principal a prevenção, necessitamos “fechar a torneira”, estamos atuando muito e gastando muito nos efeitos, e quanto estamos gastando nas ações de prevenção, nas questões que envolvem as famílias, as escolas, as comunidades, as crianças e adolescentes, estes jovens carentes em situação próxima da marginalidade ou em condições de vulnerabilidade social, necessitamos de políticas públicas, em especial nas áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos, mais opções de lazer aos jovens, mais educação, mais oportunidades de emprego, mais moradias, melhores condições de vida e sobrevivência, enfim, mais investimentos para fortalecer as ações preventivas da sociedade, divulgação e utilização da mídia neste processo, e fortalecimento das redes de proteção às crianças e adolescentes.

8 – O Observatório Crack é Possível Vencer, vinculado a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça – SENAD-MJ, disponibiliza uma rede de atendimento e capacitação, através da redução de danos, que permite certa tolerância ao uso de drogas, buscando alternativas para ressocialização do dependente, contrapondo a criminalização do indivíduo, no entanto, o consumo de drogas tem aumentado, colocando o país com segundo maior consumidor de cocaína do mundo, chegando ao ponto de receber o apelido nas ruas de “Crack é Possível Vender”, direcionando o problema ao tráfico e não ao dependente, o que está errado?

Resposta- Toda ação voltada na questão de contenção da dependência química é útil, a redução de danos é um método que surgiu com o advento da Aids, e com uma série de medidas visava evitar a proliferação do vírus e de outras doenças com ações de redução de danos, e este método foi direcionado na questão da dependência química, que tem sua utilidade, mas acredito que os vários modelos de tratamento e estratégias médicas, entre outras iniciativas são importantes, o ser humano é complexo, se determinado tratamento não produziu o efeito desejado, o dependente continua com seus agravos e recaídas, e se determinada forma de se tratar não surte um resultado favorável após longo processo de recuperação, é interessante e viável que este paciente adote outra metodologia de tratamento, creio que não podemos ser juízes e pensar em superioridade de procedimentos e métodos, muitas vezes observo que quem atua nesta área de dependência química, na sua grande totalidade julga-se com o saber supremo, dono da razão, que seu método e pensamento é o melhor, que os demais não são tão bons e podem ser desprezados, cria-se um conflito de ideias e propostas, e no meu entender não levam a nenhum resultado, pois quem perde é o doente, é o dependente químico, acredito que temos que unir os esforços de todas as organizações idôneas, independente de qual seja o método, oferecer mais opções de tratamento e reinserção social aos dependentes, e não fazer concorrência de quem é o melhor na metodologia adotada. Há casos que a redução de danos contribui, há casos que existe a necessidade de internação, mesmo que compulsória, devido ao agravo da saúde do paciente e sobre sua impossibilidade de discernir sobre sua real condição de vida, devido aos transtornos e desordens psiquiátricas, pois há casos de mortes por overdose, e por falta de tratamento adequado, então importante a variedade de ações como oportunidades de restabelecer a saúde dos pacientes, logicamente, as organizações, comunidades, entes que trabalham no tratamento devem passar por um crivo de requisitos mínimos de profissionais e recursos para promoverem a saúde dos dependentes químicos.

9 – As drogas lícitas como álcool e tabaco tem glamorização na mídia, incentivando o seu consumo abertamente, isso tem se tornado uma realidade nas redes sociais, embora sua venda seja proibida aos menores de 18 (dezoito) anos, os estabelecimentos comerciais não respeitam a legislação vigente, inclusive na exigência na apresentação de documento para aquisição desses produtos, nos eventos públicos, jogos de futebol, shows, podemos constatar crianças e adolescentes fazendo seu consumo livremente, o que deve ser feito para evitar essas situações? Como os Guardas Municipais devem agir nessa situação? As drogas licitas são o caminho de entrada para o consumo de drogas ilícitas?

Resposta- Acredito que seja necessária uma fiscalização maior por parte dos organismos responsáveis; criar mecanismos de solicitar a participação da sociedade, para que denunciem e participem destas ações; que seja criado um telefone com três dígitos para atendimento de denúncias específicas dos órgãos que desrespeitam a legislação vigente, e que seja um canal aberto de comunicação sociedade e poder público; e que através do poder público seja criada uma comissão permanente dos vários setores do poder público (Saúde, Serviço Social, Conselho Tutelar, Conselho de Drogas, Polícias, Guardas Municipais, ONG’s espcíficas, especialistas no tratamento a dependentes, entre outros) e que seja de âmbito municipal, estadual e federal com objetivo de promover políticas públicas de erradicação de venda de álcool para menores de 18 anos, fiscalização da veiculação pelas redes sociais, enfim, adotando ações necessárias para proteção das crianças e adolescentes.

- As Guardas Municipais podem contribuir fazendo parte destas comissões de promoção de políticas públicas de erradicação de venda de álcool para menores de 18 anos. Podem ainda, realizar fiscalização em conjunto com os setores de fiscalização da Prefeitura nos estabelecimentos comerciais que comercializam bebidas alcoólicas para adotarem e fiscalizarem o cumprimento da legislação pertinente, muitos destes locais não possuem alvará de funcionamento, tem problemas com relação aos requisitos de higiene, que podem ser constatados pela vigilância sanitária; através das rondas escolares da GCM podem fiscalizar e anotar os dados de todos os estabelecimentos comerciais que comercialização bebidas alcoólicas a menos de 100 metros das escolas para solicitar providências de fiscalização pela Prefeitura, Subprefeitura, através de seus agentes de fiscalização, para verificar não somente a questão do comércio de bebidas alcoólicas, presença de jogos de azar, máquinas caça níqueis, entre outras irregularidades.

E com o advento da Lei Federal nº 13.022 de 08 de agosto de 2014, Estatuto Geral das Guardas Municipais, cumprir o artigo 5º que diz o seguinte:

IX - interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades; 

XI - articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município;  

XII - integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;  

XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal;  

E um dos principais incisos do artigo 5º do Estatuto Geral das Guardas Municipais que diz o seguinte:

XVIII - atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local.  

Através deste inciso todas as Guardas Municipais podem criar grupos similares ao GEPAD – Grupo de Educação e Prevenção às Drogas da GCM-SP para realizar ações socioeducativas preventivas juntos às escolas, promover cursos de capacitação aos professores, através de oficinas desenvolver o senso crítico dos jovens com relação ao uso, abuso e dependência química, realizar reuniões de discussão com os pais e familiares para auxiliá-los a fortalecer a relação pais e filhos, discutindo temas relacionados aos fatores de risco e proteção do uso de drogas que tem enfoque na estrutura familiar, e o GEPAD da GCM-SP poderia capacitar grupos de integrantes de outras Guardas Municipais para serem multiplicadores e atuarem como GEPAD para desenvolverem estas ações. Em muitos cursos de capacitação do Módulo de Polícia Comunitária do Programa Crack “é possível vencer” recebi muitas indagações de por que não existe uma marca das Guardas Municipais, uma ação padrão de atuação, sonho e acredito que um dia poderíamos adotar a doutrina do GEPAD – GCM-SP que aplica o Projeto Luz na escolas, com a filosofia que engloba razão e afeto, ou seja, estabelece-se uma relação de vínculo, de confiança com a educação e com a comunidade e nasce um projeto comunitário, e cria-se uma rede de proteção que se organiza em prol da defesa de crianças e adolescentes com a participação dos educadores, das famílias, dos alunos e dos guardas municipais, fica aí uma ideia para pensarmos para o futuro.

10 – Muitos especialistas defendem que a orientação é a principal medida preventiva para evitar o consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, no entanto não temos esse debate ou abordagem ao longo da formação escolar (pública ou privada), não é o momento de se provocar uma agenda para reavaliação da matriz curricular , com inserção desse tema e de outros como educação no trânsito, cidadania, como agir em situações de emergência, direitos humanos? Quais as principais políticas públicas de conscientização ao uso de tabaco, álcool e drogas existentes no Brasil?

É necessário uma vontade política que insira no conteúdo programático de formação dos jovens de forma continuada, ou seja, todos os anos deve ser debatido este assunto.


E os futuros professores devem ter em seu currículo de formação este conteúdo bem trabalho, o que percebo que os professores não são preparados para abordar este tema, tem muitas dificuldades, não se especializam, e evitam abordar este tema em sala de aula, muitas vezes por medo de alunos que são envolvidos com o consumo de drogas, e outras vezes, por desconhecem ou não saberem como abordar este tema junto aos adolescentes, então se omitem e as escolas acabam por optar em convidar instituições e ou pessoas especialistas no tema para abordar o assunto, mas isto não é suficiente.


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